quinta-feira, 21 de outubro de 2010

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Eu gosto de palavrões.

"Gosto muito de palavrões como gosto de palavrinhas e palavras em geral. Acho-os indispensáveis a quem tenha necessidade de escrever ou falar, mas como sou moralista, tenho uma teoria: quando se usam palavrões sem ser com o sentido concreto que têm, é como se os estivéssemos a desinfectar, torná-los decentes, a recuperá-los para o convívio familiar. Quando um palavrão é usado literalmente, é repugnante! Dizer que a sanita está entupida de merda, ou, tenho uma verruga na ponta do caralho, é inadmissível! No entanto, dizer que um filme é uma merda ou comprar uma casa em Massamá não lembra nem ao caralho, não mete nojo a ninguém.

Cada vez que um palavrão é utilizado fora do seu contexto e significado, é como se fosse reabilitado. Dar nova vida aos palavrões, libertando-os dos contextos estritamente sexuais ou orgânicos que os sufocam, é simplesmente um exercício de libertação.

Quando uma esferográfica pode ser puta, não escreve!, desagrava-se a mulher que se prostitui. Quando um exame de direito administrativo é fodido, há alguém, algures, deitado numa cama que se escusa de se foder.

Em Portugal, é muito raro usarem-se os palavrões literalmente. Entre amigos, a exortação não sejas cona, significando, despacha-te! não percas tempo a decidir, nada tem a ver com a cona em si, palavra bastante feia que se evita a todo o custo nas conversas do dia a dia. Ao separar os palavrões dos seus significados, libertam-se. O verbo foder, por exemplo. Fora da cama mal quase nunca se usa para dizer fornicar. Quando se conta uma aventura e, caso se queira ser ordinário, diz-se, fiz ou papei ou comi. Realmente, foder, significa prejudicar, estragar ou fazer mal. Quando o Sr. Marques da contabilidade, diz que fodeu o Sr. Sousa no contencioso, refere-se apenas a um acerto de contas entre eles.

Somente gosto do sentido, é fodido, quando tem o sentido triste sorte a minha. Por exemplo, se não se acerta no Euromilhões por um único número, ou se vê que alguém nos passa à frente numa promoção só porque conhece o patrão diz-se, é fodido. Qual é o sujeito? Deveria ser a vida, mas nesse caso dir-se-ia, é fodido. Na minha opinião, a frase subentendida é algo como, é fodido um gajo andar para aqui a tentar safar-se e ver que não tem sorte nenhuma. Do mesmo modo, quando dizemos foda-se, é raro a entidade que nos provocou a imprecação seja passível de ser sexualmente assaltada. Quando nos queimamos no ferro de engomar, ou quando temos visitas em casa e se acaba o whisky, não existe, ao dizer-se tranquilamente foda-se, qualquer intenção em mandar fornicar o ferro ou a garrafa.

Quando o verbo é utilizado com o sentido que tem, eu acho indelicado e grosseiro. Até porque fornicar ou ser fornicado, não são coisas assim tão más como isso. Sendo aceite que o sexo é divertido, não se percebe como é que vai te foder exprime um desejo antipático. Eu acho muito mais ofensivo vai pentear macacos ou vai dar uma volta ao bilhar grande.

Os palavrões supostamente menos pesados, como chiça e porra, escandalizam. São violentos. E, quando um pai, ao não conseguir montar um avião da Lego ao filho pode suspirar, após três quarto de hora, ai o caralho!, sem que daí venha grande mal à família. Um chiça, sibilino e cheio, pode instalar o terror. Quando o mesmo pai recém chegado do Ikea ou do Aki, perde uma peça para a armação do estendal de roupa e se põe, de rabo para o ar, a perguntar onde é que se meteu a puta da porca...?, está a dignificar tanto as putas como as porcas, como as que acumulam as duas qualidades.

Se há palavras realmente repugnantes, são as decentes como vagina, prepúcio, glande, vulva e escroto. São palavrões precisamente porque são demasiadamente inequívocos... para dizer que uma localidade fica fora de mão, não se pode dizer que fica na vagina da mãe ou no ânus de Judas. Todas as palavras eruditas soam mais porcas que as populares e dão menos jeito! Quem é que se atreve a propor expressões latinas como fellatio e cunnilingus? Tira a vontade a qualquer um! Da mesma maneira, masturbação é pesado e maçudo, prestando-se pouco ao diálogo, enquanto o equivalente popular punheta, com a ressonância inocente que tem, de um treta que se faz com o punho, é agradavelmente infantil.

O sexo, como a vida, deveria ser o mais simples e amigável possível. Misturar as duas coisas através dos palavrões, parece-me muito saudável. Deixá-los fechados debaixo dos lençóis e atrás das portas, é condená-los a uma existência bafienta que não merecem. Porque é que uma prostituta não há de poder dizer, puta de vida!, sem se ofender a si mesma?

Os palavrões são palavras multifacetadas, muito mais prestáveis e jeitosas do que parecem. É preciso usá-los para que não se tornem obscenos e propagá-los para que deixem de ser chocantes. É pior falar mau português do que falar mal em bom português!

Quem anda para ai a foder a língua, não são os que dizem foda-se de vez em quando, são os que dizem, acabou de terminar e eventualmente estão assegurados. Senão utilizarmos os palavrões livre e inocentemente, eles tornar-se-ão meras obscenidades e, para obscinidade, já basta a vida em si."

Como transformar uma música de merda num belo musical!

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

sábado, 9 de outubro de 2010